Foi com
enorme surpresa que tomei conhecimento do falecimento da Professora Cristina
Beckert; eu não queria acreditar! Sabia que estava doente e com limitações em
termos de mobilidade, mas não imaginava que a sua vida chegaria ao fim tão cedo.
Conheci-a na
década de oitenta, num colóquio na Católica, em Lisboa. Foi-me apresentada pelo
Professor Cerqueira Gonçalves, que me pediu para receber na Faculdade, em Braga,
quatro assistentes do Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, grupo de que faziam parte Cristina Beckert e o marido, Carlos
João Correia. Vinham fazer investigação para as respectivas teses de
doutoramento. Acompanhei-os durante essa sua estadia; foi o primeiro contacto. Em
1993 tive o privilégio de ser seu arguente nas provas públicas de doutoramento,
no dia 14 de Julho. Apresentou um texto excelente, depois publicado em livro,
Subjectividade e diacronia no pensamento de Levinas.
Como era de esperar, fez umas provas brilhantes, com domínio
perfeito da matéria e com uma cultura filosófica digna de nota. Apresentou-se
tal como era: calma, serena, suave, simples, com um sorriso nos lábios e
respondendo com elegância e acerto. Foi a minha estreia em júris de
doutoramento e não podia ter sido mais auspiciosa.
Mantivemos o
contacto e a convivência deu origem a uma amizade que não esquecerei. Fui bastantes
vezes arguir a teses de mestrado à Faculdade de Letra de Lisboa a cujos júris
pertenci por sua sugestão, e ela veio várias vezes à minha Faculdade também
para arguir a teses. Recebia-me sempre com amizade e delicadeza irrepreensíveis,
informando-me e prevenindo-me dos hábitos da casa. Participei a seu convite num
colóquio que organizou sobre Lévinas, cujas conferências reuniu no livro
Lévinas entre
nós; por sua vez a meu convite participou no colóquio de homenagem ao
Professor Roque Cabral com um texto intitulado «Ética e ecologia».
A última vez
que a contactei foi no fim do ano passado. Havia que constituir um júri de umas
provas de doutoramento cuja tese, que eu tinha orientado, era fundamentalmente
em torno da obra de Lévinas. Durante o tempo que acompanhei a elaboração do
trabalho sempre pensei sugerir ao Conselho Científico o nome da Professora Cristina
Beckert para arguente. A tese era excelente e uma arguição da professora,
estava eu convencido, permitiria ao doutorando brilhar e obter sugestões preciosas
para uma última revisão do texto antes da publicação. Quando propus o nome,
avisei logo os responsáveis de que da última vez que tinha contactado com a
Professora, ela me tinha falado da sua saúde, que lhe impunha algumas
limitações em termos de viagens. A pedido do Presidente do Conselho Científico
telefonei-lhe para a sondar. Como sempre, atendeu-me com toda a simpatia, agradeceu
o convite, mas informou-me de que infelizmente o seu estado de saúde não lhe
permitia aceitar; por indicação médica não podia viajar para fora de Lisboa. Respondi-lhe
que tinha imensa pena por ela e pelo doutorando. Por ela, porque as limitações
que a doença lhe impunha deveriam ser muito dolorosas; pelo doutorando, porque
seria muito beneficiado com a arguição dela. Mas não suspeitava de que o fim
estivesse tão próximo.
Curiosa
coincidência: recebi a notícia da morte quando tinha começado a ler o seu livro
titulado
Ética.
Nele encontramos a autora de corpo inteiro. O livro revela
uma professora informada, cujo texto espelha, com clareza e rigor, uma vasta
bibliografia lida e assimilada, acompanhada de uma reflexão pessoal inteligente
e profunda. O esquema mostra uma especialista em Ética atenta à actualidade, para
quem as éticas aplicadas não são éticas menores, antes pelo contrário. A
segunda parte do livro é sobre Bioética e Ética Ambiental, áreas que frequentou
com grande competência.
Com o seu
desaparecimento perde o Departamento de Filosofia da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa uma professora e investigadora de eleição, competente e
eficaz no seu ensino, de quem havia ainda muito a esperar (leiam-se os
depoimentos de vários alunos em
http://blog.domingosfaria.net/2014/06/memoria-cristina-beckert-1956-2014.html).
Os colegas e amigos perdem uma companheira de jornada com que podiam contar e
que permanecerá nas suas memórias.
José
Henrique Silveira de Brito