sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Juazeiro do Norte e a religiosidade popular

Juazeiro do Norte - Ceará/Brasil, 17-21.Nov.2014

O IV Simpósio dedicado ao “fenómeno Pe. Cícero”, em Juazeiro do Norte (Ceará/Brasil), propôs uma reflexão mais aprofundada sobre o significado que envolve a personagem à volta da qual tudo se aglutina na progressiva cidade de Juazeiro do Norte, a nível social, político, económico, intelectual, religioso e cultural. A localidade constituiu-se como polo de irradiação e de atracção cultural, social e religiosa, bem como polo de desenvolvimento dos sertões nordestinos brasileiros. Anualmente, entre dois e três milhões de romeiros visitam Juazeiro, motivados pelo culto ao Padrinho Pe. Cícero (“Padim Pade Ciço”).

Ao pensar o fenómeno Pe. Cícero em termos nacionais e globais, que era o objectivo central proposto para este evento, de imediato perspectivei a minha participação para o tema da religiosidade popular. Predominaram as apresentações de estudos de carácter antropológico, sociológico e histórico, em geral ligadas a trabalhos de investigação; o número e a qualidade de estudos científicos já realizados não deixam indiferente a quem procurar compreender o significado religioso, cultural e social de todo este processo que teve início nas últimas décadas do séc. XIX. Muitas outras comunicações, pósteres e oficinas, preparadas por grupos de trabalho, evidenciaram a vitalidade e o interesse académico na continuidade desta investigação, com o envolvimento e investimento da mais antiga instituição universitária da região, a Universidade Regional do Cariri (URCA).

O contributo da reflexão que apresentei, inspirada na filosofia da religião dos últimos séculos em Portugal, foi orientado pelo tema assim enunciado: Pensar e viver o sagrado nos dias de hoje? No contexto da pergunta sobre o sentido/significado do sagrado nos dias de hoje, a ideia orientadora da palestra foi a seguinte: “A vitalidade das manifestações da religiosidade popular, como a de Juazeiro do Norte, constitui um dos sinais mais autênticos e mobilizadores da renovação religiosa que hoje vivemos, anunciando a transformação radical da civilização actual, e é marcada mais pela experiência espiritual individual e colectiva do que pelo cumprimento de directivas oficiais das instituições religiosas.” Acompanhando o processo de valorização científica e de sacralização da cultura, e recorrendo aos contributos dos filósofos e literatos mais significativos que experienciaram as mudanças históricas do Portugal contemporâneo, foi possível fazer uma aproximação mais intensa à essência do sagrado, bem mais próxima da religiosidade popular do que das religiões oficiais. Sem deixar, no entanto, de orientar para a questão em aberto: Na perspectiva do futuro, será esta irrupção do sagrado a “medida” de qualidade de vida e de autenticidade do “humano” que vai devolver a esperança renovada de uma humanidade mais justa e mais solidária?

Duas afirmações sobre a concepção da religião e da natureza intrinsecamente religiosa do ser humano, que estiveram presentes na reflexão desenvolvida na palestra: - Eduardo Lourenço afirmou recentemente (2014) que a “dimensão «religiosa» faz parte daquilo que é a definição do homem”, na linha das conclusões defendidas por Georg Simmel, em finais do séc. XIX, e que desenvolve mais tarde na obra Die Religion (1906): “O homem é naturalmente religioso. A religiosidade é um modo de ser do homem, quer ela tenha, agora, um conteúdo, ou não, quer esta característica possa ser incorporada ou não, numa fé. Assim como é inteligente, erótico, justo ou belo, assim é religioso: o ser religioso, portanto, é uma maneira primária, absolutamente fundamental, do ser.”

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