A escritora Lídia Jorge (Algarve, 1946) é hoje,
inquestionavelmente, uma voz singular e reconhecida no panorama da literatura
portuguesa contemporânea. Comprovam-no a receptividade do público e da crítica;
as repetidas edições das suas obras; as traduções para outras línguas; as teses
e os ensaios académicos que se vão apresentando sobre os seus textos em vários
países; os prémios nacionais e internacionais que têm distinguido a sua obra; e
ainda os volumes monográficos que se debruçam sobre a sua criação literária – por
exemplo, o dossiê temático na prestigiada revista norte-americana Portuguese Literary and Culture Studies,
2, 1999; ou o volume colectivo Para um
Leitor Ignorado (Ensaios sobre a ficção de Lídia Jorge), Ana Paula Ferreira (org,), Texto Editora, 2009.
Recentemente, Maria da Conceição da Silva
Brandão apresentou-se em provas públicas de mestrado, na Universidade de
Aveiro, com uma dissertação intitulada Formas
de Silêncio em “Combateremos a Sombra”, de
Lídia Jorge. Apreciado muito positivamente pelo júri académico, esse
trabalho vê-se agora publicado sob forma impressa, alargando assim o seu
público leitor potencial.
Neste livro de Maria da Conceição da Silva
Brandão, estamos perante um trabalho de análise literária que não esconde o empático
entusiasmo perante a obra ficcional de Lídia Jorge. Centrando o seu discurso
crítico no romance Combateremos a Sombra (2007),
apresenta desde logo a qualidade do conhecimento e das relações pertinentes com
outras obras da escritora. Sobretudo, revela a coragem de abordar um tema
complexo, mas profundamente actual: a existência de uma gramática do silêncio
na vida social contemporânea.
De facto, apoiada numa bibliografia
teórico-crítica pertinente, este estudo de Maria da Conceição da Silva Brandão
debruça-se, ao longo de alguns capítulos breves, sobre as várias “formas de
silêncio” com que também se constroem (ou destroem) as relações humanas. O
mencionado romance de Lídia Jorge proporciona uma reflexão sobre a dialéctica
entre a escrita (ou a voz) e o silêncio contra a hipercultura da pressa e do
ruído, típica de uma acelerada “cultura da comunicação”.
No passado como no presente, a literatura
sempre se constituiu como uma forma ímpar e indispensável de dizer o indizível
e de expressar o silêncio; e até de decifrar os silêncios legalizados pelas
sociedades democráticas. Por outras palavras, a abordagem do tema em questão
pressupõe o questionamento do tema da linguagem e da in-comunicabilidade –
entre outros tópicos –, pois a palavra é, e sempre foi, uma forma de poder, com
mais ou menos constrangimentos.
Ao mesmo tempo, num mundo doente de várias
patologias, pode a verbalização, por exemplo, através da psicanálise,
constituir uma forma de libertação terapêutica? No plano individual e colectivo,
o conhecimento do mundo, a autognose e a própria busca de sentido para a
existência humana são indissociáveis da palavra, da linguagem e da narrativa. Mesmo
salvaguardando certos mistérios indecifráveis da mente humana; ou os excessos
entre o mutismo e a verbosidade.
Como nos adverte Boaventura Sousa Santos,
o retorno ao interior do ser humano, à redescoberta do indivíduo e à
centralidade do mundo interior, pode ser visto como um dos traços da sociedade
pós-moderna. Aliás, não será por acaso que certa narrativa literária actual
volta a explorar diversos meandros do mundo labiríntico da psicologia humana. Por
vezes, fá-lo com grande realismo e redescobrindo com isso dimensões trágicas da
existência humana. Mas essa é uma das potencialidades da palavra literária – iluminar
as sombras e o obscuro, problematizar a verdade, saber quanto pesa a alma,
combater a inevitabilidade do silenciamento.
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