quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Pensar o silêncio e a incomunicabilidade num romance de Lídia Jorge

A escritora Lídia Jorge (Algarve, 1946) é hoje, inquestionavelmente, uma voz singular e reconhecida no panorama da literatura portuguesa contemporânea. Comprovam-no a receptividade do público e da crítica; as repetidas edições das suas obras; as traduções para outras línguas; as teses e os ensaios académicos que se vão apresentando sobre os seus textos em vários países; os prémios nacionais e internacionais que têm distinguido a sua obra; e ainda os volumes monográficos que se debruçam sobre a sua criação literária – por exemplo, o dossiê temático na prestigiada revista norte-americana Portuguese Literary and Culture Studies, 2, 1999; ou o volume colectivo Para um Leitor Ignorado (Ensaios sobre a ficção de Lídia Jorge), Ana  Paula Ferreira (org,), Texto Editora, 2009.
Recentemente, Maria da Conceição da Silva Brandão apresentou-se em provas públicas de mestrado, na Universidade de Aveiro, com uma dissertação intitulada Formas de Silêncio em “Combateremos a Sombra”, de Lídia Jorge. Apreciado muito positivamente pelo júri académico, esse trabalho vê-se agora publicado sob forma impressa, alargando assim o seu público leitor potencial.
Neste livro de Maria da Conceição da Silva Brandão, estamos perante um trabalho de análise literária que não esconde o empático entusiasmo perante a obra ficcional de Lídia Jorge. Centrando o seu discurso crítico no romance Combateremos a Sombra (2007), apresenta desde logo a qualidade do conhecimento e das relações pertinentes com outras obras da escritora. Sobretudo, revela a coragem de abordar um tema complexo, mas profundamente actual: a existência de uma gramática do silêncio na vida social contemporânea.
De facto, apoiada numa bibliografia teórico-crítica pertinente, este estudo de Maria da Conceição da Silva Brandão debruça-se, ao longo de alguns capítulos breves, sobre as várias “formas de silêncio” com que também se constroem (ou destroem) as relações humanas. O mencionado romance de Lídia Jorge proporciona uma reflexão sobre a dialéctica entre a escrita (ou a voz) e o silêncio contra a hipercultura da pressa e do ruído, típica de uma acelerada “cultura da comunicação”.
No passado como no presente, a literatura sempre se constituiu como uma forma ímpar e indispensável de dizer o indizível e de expressar o silêncio; e até de decifrar os silêncios legalizados pelas sociedades democráticas. Por outras palavras, a abordagem do tema em questão pressupõe o questionamento do tema da linguagem e da in-comunicabilidade – entre outros tópicos –, pois a palavra é, e sempre foi, uma forma de poder, com mais ou menos constrangimentos.
Ao mesmo tempo, num mundo doente de várias patologias, pode a verbalização, por exemplo, através da psicanálise, constituir uma forma de libertação terapêutica? No plano individual e colectivo, o conhecimento do mundo, a autognose e a própria busca de sentido para a existência humana são indissociáveis da palavra, da linguagem e da narrativa. Mesmo salvaguardando certos mistérios indecifráveis da mente humana; ou os excessos entre o mutismo e a verbosidade.

Como nos adverte Boaventura Sousa Santos, o retorno ao interior do ser humano, à redescoberta do indivíduo e à centralidade do mundo interior, pode ser visto como um dos traços da sociedade pós-moderna. Aliás, não será por acaso que certa narrativa literária actual volta a explorar diversos meandros do mundo labiríntico da psicologia humana. Por vezes, fá-lo com grande realismo e redescobrindo com isso dimensões trágicas da existência humana. Mas essa é uma das potencialidades da palavra literária – iluminar as sombras e o obscuro, problematizar a verdade, saber quanto pesa a alma, combater a inevitabilidade do silenciamento.

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